Cosmovisão e Cognição Caninas
É bastante comum nos depararmos com relatos de proprietários de cães que traduzem as ações e reações destes segundo as suas perspectivas, humanas. Que lamentável engano!
De pronto temos que fazer saber ao nosso leitor que os cães têm uma visão muito própria acerca do mundo que os cercam. Isto significa que as ações e reações deles embora possam ser comparadas com as quais racionalmente vivenciamos em nosso dia-a-dia, na verdade distam em muito das nossas, isto é, a percepção da realidade e cosmovisão dos cães são muito próprias, são caninas, não humanas. Alexandra Horowitz, Ph.D., nos faz saber que “Ao olhar em volta, o cão não pensa que está rodeado por objetos humanos; ele enxerga objetos caninos.” ¹
Códigos Mais do que Palavras
Quando sabemos disso e avaliamos as atitudes de nossos amigos caninos não mais segundo as nossas próprias percepções, mas sim segundo as percepções deles, estaremos dando um passo gigante em direção a compreensão das suas reações e consequentemente de uma percepção mais nítida, mais aproximada dos seus desejos, necessidades e intenções. Neste ponto, devemos lembrar que o nosso falar para o cão é tão enigmático quanto o latido destes para nós. Os cães reagem segundo os códigos que mesmo sem intenção, criamos e estabelecemos para uma infinidade de ações que resultarão em comunicado expresso ao nosso amigo daquilo que estará por vir. Assim, ele reagirá prontamente a estes códigos, fazendo parecer para nós humanos, que o cão sabe exatamente o que esperamos deles.
Criando códigos
Criamos códigos sem perceber, mas como isso se dá? Simples. Todos os dias em um determinado horário lançamos mãos da guia e da coleira do nosso amigo com a intenção de levá-lo para passear. Imediatamente nosso amigo corre para a porta e espera sentado que coloquemos a coleira em seu pescoço e atrelemos a guia a esta; e, ato contínuo, abramos a porta para sairmos com ele. Não demora muito e perceberemos que sempre que tocamos na coleira e guia o nosso amigo ruma em direção à porta e ali permanece a fim de que seja atrelado a coleira e guia para mais uma prazerosa jornada de trabalho. Então deduzimos: “Nossa, como é inteligente, sabe que iremos passear!”
Você poderia lançar mãos da coleira e guia apenas para mudar o lugar aonde tais objetos permanecerão, mas para o cão esta ação não significa outra coisa senão “ir trabalhar” (erroneamente chamamos de “passear”) e então corre para a porta.
Lógica Humana x Lógica Canina
Théo Gygas ², conhecido cinófilo e ainda hoje referência em adestramento e comportamento canino, relata um episódio muito curioso que exemplifica bem como o cão reage ao que se passa diante de si. Conta-nos ele que certa vez ao passear nas margens de um rio, um garoto com um boné na cabeça se aproximou muito da margem vindo a cair neste. Enquanto o garoto de debatia nas águas para não se afogar, seu boné, mais leve, flutuava à sua frente. Seu cão, que o acompanhava de perto instintivamente saltou na água e salvou primeiramente o… boné! Para o cão, o risco de morte não existia, porém, ao ver o garoto de debatendo nas águas e o boné deste seguindo apressadamente à frente, entendeu que isto significava brincar de pegar a caça, que no caso estava sendo representado pelo boné fujão.
Após “salvar” o boné, o cão retornou à margem com a “presa” na boca. Ao perceberem o boné encharcado na boca do cão, os adultos partiram em busca do garoto, salvando-o da morte certa. O leitor poderá dizer: “Mas, que cão insensato! Melhor seria que salvasse o garoto e deixasse o boné ser levado pela correnteza!” Veja, esta é uma percepção inteligente, lógica, humana, não canina!
Facilitando a Comunicação
Com estes exemplos asseveramos: não deduza as ações e reações do seu cão segundo as suas próprias interpretações. Ele, o seu cão, as vê de forma diferenciada, instintiva e basicamente reforçada naquilo que poderá ser um retorno positivo ou negativo. Neste sentido e, utilizando como mecanismo de comunicação o recurso do condicionamento positivo (Konrad Lorenz) e o reflexo condicionado (Ivan Pavlov), poderemos estabelecer um diálogo que seja mais compreensível para o cão e então obteremos sucesso não somente em nos fazer compreender, mas também de interpretar o que o nosso amigo deseja comunicar-nos, tarefa nem sempre tão fácil dado que, uma vez mais lembramos, o latido dele é para nós tão enigmático quanto as nossas palavras para ele.
Voltaremos a entrar neste tema mais adiante, por hora, compreenda bem que o seu cão não é inteligente; inteligente é você, que com esta faculdade tão singular poderá facilitar grandemente a vida do seu cão, tornando-a mais aprazível ao seu lado, que para o seu amigo, é o melhor lugar do mundo!
Invista tempo com o seu cão!
Até a próxima!
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¹ Horowitz, Alexandra. A Cabeça do Cachorro. 1ª ed. Rio de Janeiro: Best Seller, 2010. pg 183.
² Gygas, Théo, O Cão em Nossa Casa. 47ª ed. São Paulo: Dicubra, 1970. pg 207.